Muitas
vezes, quando chego tarde em casa, costumo ir direto para a cozinha, acendo a
luz e vou caçar alguma coisa na geladeira. Mal termino de tocar o interruptor,
encontro uma, duas baratas fugindo da claridade que invade seus olhos sombrios.
Hoje
foi diferente. Quando acendi a luz, avistei um blatídeo a poucos centímetros do
meu pé, ali, paradinho, sem qualquer reação. Parecia que estava esperando meu
pé esmagar seu pronoto, sem chance alguma de defesa, sem vontade de se esquivar,
entregue ao desejo humano pela matança de um ser que simplesmente lhe dá nojo,
seja porque é feio ou porque causa doença, predicados da maioria dos artrópodes.
Por
algum tempo fiquei a observá-la. Somente suas antenas se mexiam. Segundos
passando, antenas mexendo. Alguma força, alguma coisa me fazia resistir à
tentação de pisoteá-la. No entanto meu pensamento cruel foi mais forte para
erguer meu pé. Menos uma barata no mundo.
Nos
milésimos finais da vida do inseto, fixei-me naqueles olhos esquisitos. Parecia
haver sinal de piedade. Um pedido inútil pra mim, parte de um todo humano, por
si só egocêntrico, em relação às outras espécies. Afinal, não somos superiores?
Por que eu deixaria uma barata viver? Uma simples barata? Quanto tempo ela
viveria sem a minha interrupção? Um ano? Mas um animal rejeitado não tem
direito à vida!
Foi
pensando nesse acontecimento que resolvi escrever, tentando narrar o que se
passa na cabeça do ser humano. Está certo que elas transmitem doenças,
contaminam alimentos, não nego! Mas um “blaticídio” por causarem enfermidades?
Imagina então sairmos aí pelo mundo acabando com qualquer vetor de patógeno! E
isso vale inclusive para a própria humanidade! Só no momento já me vieram
diversos nomes de doenças e síndromes causadas por bactérias, fungos, vírus,
que são transmitidos de nós para nós mesmos! Mas se o predicado é ‘causar
doenças’, onde está a nossa superioridade em relação a elas? E ainda assim
temos o direito de escolher o destino de uma mera barata?
Agora
você me diz: “Não é assim que se deve pensar! As coisas são diferentes!”. Esse
é o problema! “As coisas são diferentes” num contexto que era pra ser tudo
igual! Os seres humanos pensam justamente no que não se deve pensar, elaboram
discursos maravilhosos quando o assunto é unificar, mas excluem na prática, e
sempre alguém vai sair perdendo com isso! Por isso, de qualquer forma, não
pense, então! Aja! Mate a barata, por favor!